Influência da potência de luz de refletores odontológicos na polimerização precoce de compósitos

Resumo

O objetivo deste trabalho é avaliar a influência de diferentes potências dos refletores de luz aplicadas no campo operatório e sua relação com a polimerização precoce de resinas compostas em diversas opacidades, empregando-se iluminadores com tecnologia LED e com luz halógena.
Para a confecção dos corpos de prova foram utilizadas as resinas compostas nanohíbrida Esthet X HD (Dentsply, Caulk – Milford, DE), nas tonalidades de cor A2O; A2 e YE apresentados em corpos de prova 5mm de diâmetro e 1mm de espessura. Os corpos de prova foram então expostos aos refletores LED (Gnatus Equipamentos Médico-Odontológicos Ltda/SP – Brasil) e Halógeno (Gnatus Equipamentos Médico-Odontológicos Ltda/SP – Brasil) durante 2 minutos, para cada tipo de lâmpada (LED e Halógena) e nas potências de luz (15.000 e 35.000 lux). A análise do grau de conversão dos monômeros em polímeros foi obtida com o uso de um espectrofotômetro (FTIR 640, Varian) por meio de espectroscopia de infravermelho. A Análise de Variância (AnovaTwo Way) revelou diferenças estatisticamente significantes para as duas potências de luz avaliadas (p<0.001). Comparações pareadas foram realizadas através da aplicação dos testes Tukey, revelando diferenças nas potências testadas para cada opacidade de resina. Conclui-se baseado nos resultados encontrados que existe uma relação de dependência na densidade da potencia de luz empregada nos refletores de iluminação da cavidade bucal durante os procedimentos clínicos que se reflete no grau de conversão de compostos fotoativados.
Descritores: resinas compostas; polimerização; iluminação.
Relevância Clínica
Hoje nos deparamos com diferentes tecnologias para iluminação da cavidade bucal e, frente ao uso das diferentes potências de luz aplicadas, o trabalho objetiva a projeção da melhor performance de clínica em termos de iluminação do campo de trabalho.
Introdução
Em Odontologia, na perda de função ou estética de um elemento dental quer seja ele por motivos relacionados à doença cárie, já por trauma ou fatores diversos, o restabelecimento da condição anatômica comprometida pode ser facilmente obtido por meio do emprego de restaurações diretas com compósitos fotoativados, as reconhecidas resinas compostas1.
As técnicas restauradoras atuais envolvem a estratificação de diversos tipos de resinas compostas, em suas mais diferentes características ópticas, tais como matiz, croma, valor, opacidade, translucidez, opalescência e fluorescência2, fazendo uso de várias opacidades criadas para se que consiga a bio-mimetização estrutural do elemento dental.
A polimerização das resinas compostas se dá pela fotoativação de agentes químicos iniciadores de reação presentes na sua composição, como por exemplo, a canforoquinona, que é ativada quando excitada pela luz azul dos fotopolimerizadores, numa faixa específica de comprimento de onda da luz de 450 e 500nm3,4.
Contudo, durante o procedimento clínico a manipulação dos compósitos no momento da escultura dental pode vir a sofrer uma polimerização precoce oriunda da luz dos refletores odontológicos, fator este que é limitante ao tempo de trabalho do CirurgiãoDentista. Tal condição (polimerização precoce) leva o compósito a formar uma camada rígida que restringe a sequente conversão de monômeros em polímeros, que clinicamente apresentam-se como pequenas trincas opacas na massa de resina composta5.
Hoje nos deparamos com uma enorme gama de materiais dentários fotoativados disponíveis à clínica diária, com tempos de polimerização extremamente variados e, frequentemente, muito sensíveis à luminosidade dos refletores odontológicos6, e em relação a estes, hoje também nos são apresentados em duas principais tecnologias empregadas na iluminação, sendo eles, os refletores baseados em tecnologias de luz Halógena ou LED, onde também se tornou possível o ajuste das potencias de luz empregada na iluminação da cavidade bucal.
Tendo em vista que o tempo de exposição à luz das resinas compostas no campo operatório tem aumentado em função da complexidade dos trabalhos estéticos e da quantidade de opacidades utilizadas para obter o efeito óptico desejado, a avaliação da influência da luz dos refletores na polimerização precoce dos compósitos se faz necessária. O objetivo deste trabalho é avaliar a influência de duas diferentes potências de luz empregada nos refletores odontológicos na polimerização de resina composta em diversas opacidades, utilizando-se refletores baseados em luz halógena e LED. As hipóteses nulas testadas foram a de que não existem diferenças entre as diferentes potências e as fontes de luz testadas em relação à polimerização precoce de compósitos fotoativados e que não existem diferenças no comportamento de polimerização dos compósitos frente às diferentes opacidades
Materias e Métodos
Delineamento experimental
Os fatores em estudo foram resina composta em três níveis (A2O, A2 e YE) e fonte luminosa irradiante do campo de trabalho em quatro níveis LED 15.000 lux, LED 35.000 lux, Halógena 15.000 lux, Halógena 35.000 lux. A amostra do experimento foi compostapor 60 corpos de prova (n=5) (Tabela 1). A variável de resposta empregada foi o índice de conversão de monômeros em polímeros através da espectrofotometria de Infravermelho.
Confecção dos corpos de prova
As resinas compostas nanohíbrida Esthet-X HD (Dentsply, Caulk – Milford, DE) foram utilizadas na confecção dos corpos de prova, as cores e lotes estão dispostos na Tabela 1. Os materiais utilizados são compostos por matriz polimérica com dois metacrilatos (Bisfenol glicidil metacrilato – BIS-GMA e Bisfenol etileno metacrilato – BISEMA) e um dimetacrilato (Trietileno glicol dimetacrilato – TEGDMA), com um foto iniciador (representado pela canforoquinona), cargas inorgânicas de nanosílica (0,04 mícron) e vidro de Fluorobosilicato de Bário com tamanho médio de 0,4 a 0,7 mícrons.
A resina composta foi inserida com espátula nº 24 em um molde metálico (Figura 1) com 5mm de diâmetro por 1mm de profundidade (similar a um anel). O molde metálico foi posicionado a 70cm do refletor (Figuras 2 e 3) sobre um cristal de Germânio para utilização do acoplamento de ATR (Refletância Total Atenuada).
Teste do Grau de conversão
O equipamento para análise de espectroscopia no infravermelho, utilizado para a execução desta etapa da pesquisa foi o espectrofômetro (FTIR 640, Varian) com uma resolução de 4cm-1 na faixa espectral de 4000cm-1 a 300cm-1 com 32 scans. O grau de conversão dos monômeros em polímeros é obtido por meio
de espectroscopia de infravermelho (FTIR). O percentual de duplas ligações carbônicas não convertidas (% C=C) foi determinado pela taxa da intensidade de absorção entre ligações C=C (1.638cm–1) e ligações C-C (1.608cm–1), antes e após a polimerização.
Os corpos de prova foram iluminados com refletor de luz Halógena (Perus L – Gnatus Equipamentos Médico-Odontológicos – Ribeirão Preto/SP) e refletor de luz LED (Sirius Sensor 5 LEDs – Gnatus Equipamentos Médico-Odontológicos – Ribeirão Preto/SP). De modo a padronizar a condução do experimento, todos os corpos de prova foram irradiados durante 2min., em um ambiente escuro, totalmente livre de outros tipos de iluminação. Para cada condição experimental foram utilizados cinco corpos de prova. Os refletores

testados apresentam 15.000 e 35.000 lux de luminosidade na região central do spot. O grau de conversão (GC) correspondente foi calculado por meio da equação (Equação 1).
Análise Estatística
A Análise de Variância (Anova-Two Way) revelou diferenças estatisticamente significantes para os fatores resina e Iluminação e para a interação entre os fatores (p<0.001). Para a diferenciação das média o teste de Tukey foi empregado, revelando diferenças estatisticamente significantes para as diferentes potências testadas para cada tipo de resina. As análises foram conduzidas através de um pacote estatístico com o auxilio do software o Sigmastat 3.5 (Systat Software, Inc)

Resultados
As comparações obtidas pelo emprego do teste de Tukey revelaram para o fator fonte luminosa irradiante do campo de trabalho

que: em relação á comparação luz LED versus luz Halógena que os refletores baseados na iluminação LED apresentam menor efeito na polimerização precoce de compósitos em relação aos refletores de luz Halógena, porém na potencia de 35.000 lux não houve diferença entre as duas tecnologias (Tabela 2).
Na comparação isolada do fator resina composta, o teste de Tukey revelou que houve diferenças estatisticamente significantes para os três compósitos testados (Tabela 3).
Contudo, na comparação da interação entre os fatores de estudo (resina versus fonte luminosa), em relação aos compósitos testados, os mesmos apresentaram diferenças significativas no seu comportamento relacionado ao grau de conversão, exceto para a comparação entre a resina A2 versus A2O na iluminação com luz
LED a 15.000 lux, onde não foi observado diferença no comportamento dos dois tipos de compósito (Tabela 4).

Discussão
Na prática clínica diária do Cirurgião-Dentista, para evitar quaisquer interferências dos iluminadores do campo operatório, na polimerização precoce das resinas compostas foto ativadas, os métodos comumente utilizados pelo profissional são: desligar o refletor de luz durante o procedimento restaurador, afastar e/ou desviar o foco central da luz para longe do campo de trabalho7. Estes procedimentos podem trazer algumas desvantagens, por exemplo, redução da acuidade visual do operador, menor controle da iluminação do campo operatório e falhas nas técnicas restauradoras, além de dificultar a realização de procedimentos restauradores e na busca da anatomia dental ideal, principalmente em região posterior6.
Frente a esta situação, tem se demonstrado uma crescente preocupação dos fabricantes no desenvolvimento de iluminadores que agreguem acuidade visual com pouca interferência na polimerização precoce, onde recentemente foi observado o desenvolvimento da tecnologia de iluminação LED, em substituição às convencionais lâmpadas Halógenas, além da introdução de potências de luz pré-programadas ou com a possibilidade de ajustes de intensidade luminosa.
Assim, nos refletores baseados na tecnologia de luz Halógena é produzido um spot uniforme, no qual se filtram comprimentos de onda da luz emitida (principalmente infravermelho), a fim de diminuir a temperatura da cor. A normativa NBR ISO 9680, da ABNT estabelece para os refletores odontológicos uma temperatura de cor correlacionada entre 3600K e 6500K e intensidade luminosa de pelo menos 15000 lux na origem das coordenadas do alvo. Contudo, a luz Halógena apresenta um inconveniente que é o calor emitido e a energia gasta na emissão da luz. A temperatura da resina composta é um fator adicional que pode influenciar o resultado do processo de polimerização8 . Outro ponto relevante se relaciona a vida útil das lâmpadas que frequentemente necessitam ser substituídas, gerando maiores custos de manutenção além de poder queimar seu filamento durante o procedimento clínico.
Já nos refletores baseados em tecnologia LED, estes utilizam um sistema óptico a partir de componentes de luz padrão RGB (Red, Green Blue – Vermelho, Verde, Azul), produzindo um feixe de luz branca (não amarelada)17. Com uma temperatura de cor em torno de 5500K e com durabilidade superior a 50.000 horas,

os emissores LEDs podem apresentar as seguintes vantagens: iluminação uniforme no local desejado sem separação de cores, com a ausência de luz fora do spot; geometria do spot de iluminação desejada; menor emissão de calor; menor consumo energético; maior tempo de vida útil; e emissão de luz com aproveitamento de aproximadamente 90% da energia aplicada17, estando adequado à norma NBR ISO 9680, da ABNT.
Assim, em relação á polimerização precoce, embora as resinas compostas apresentem estética satisfatória, suas propriedades físicas e químicas estão diretamente relacionadas à efetividade da polimerização, ou seja, da conversão de monômeros em polímeros.9 Variação que pode ser observada em diferentes marcas de compósitos, pois a característica do foto iniciador está intimamente ligada aos seus efeitos na polimerização de resinas10.
Em relação aos resultados observados, as resinas de tonalidades opacas foram criadas para agir como “dentina artificial”, além de esconder superfícies dentais escurecidas. Estes compósitos em algumas apresentações comerciais normalmente necessitam de 40 segundos de exposição à luz de um fotopolimerizador para que ocorra sua adequada polimerização, o que significa o dobro em relação aos compósitos de “esmalte” e “efeitos”. Sendo assim, os compósitos opacos
apresentam menor transmissão de luz, necessitando de maior tempo de exposição para atingir o maior grau de conversão possível de monômeros em polímeros11. O que caracteriza um compósito opaco é o seu baixo parâmetro de transparência12, no caso da Esthet X a diferença deste valor é o dobro entre A2O e A2, esta diferença pode explicar o menor índice de conversão das resinas opacas perante as variações testadas. Nesse estudo, a cor A2 foi escolhida por ser a mais popular e também por ter sido estudada previamente13.
Os resultados obtidos nesse estudo sinalizam que a potência de luz efetivamente é capaz de alterar as características relacionadas à polimerização precoce dos compósitos fotoativados tendo sido encontrados resultados estatisticamente diferentes quando comparados isoladamente os efeitos da iluminação do campo operatório a 35.000 e 15.000 lux. Também foi demonstrado que em altas potências, a tecnologia de iluminação parece pouco importar, pois a alta densidade de
energia é suficiente para acelerar o processo de polimerização precoce. Assim, vale considerar que as características e propriedades finais dos compósitos dependem diretamente do grau de cura e pode variar de acordo com a quantidade de ligações cruzadas estabelecidas entre as cadeias da matriz orgânica. Nesse contexto, uma iluminação com potência de luz superior a 30.000 lux poderia atuar significativamente no grau de conversão da resina, tal demanda poderia levar a uma menor qualidade do processo restaurador já que a polimerização precoce está diretamente relacionada à manutenção das características físicas e ópticas da resina composta14,15, processo este que é mais evidente na superfície do compósito, pois não existe nenhuma barreira ou camada entre a fonte de luz, mesmo em camadas expostas a o oxigênio9.
No caso da polimerização precoce, ela inviabiliza a técnica, pois pequenos grumos polimerizados são criados e limita-se a capacidade de manipulação do compósito durante a técnica incremental7. Os compósitos opacos são menos susceptíveis à iluminação do campo operatório do que as resinas de esmalte e efeito
que obrigatoriamente tem a indicação de serem manipuladas sob potências mais baixas (15.000 lux) e no máximo por 2 minutos.
Na tentativa de não onerar qualquer viés ao profissional CirurgiãoDentista, o ajuste de potência de luz nos refletores se faz necessário, é possível inferir que a potência de 35.000 lux é indicada para procedimentos diagnósticos, cirúrgicos e operatórios. Procedimentos restauradores devem ser realizados sob a potência de 15.000 lux. Observou-se neste estudo que menores potências estão indicadas para a realização de procedimentos em que se faça uso de materiais fotoativados, enquanto o ajuste máximo de potência luminosa dos refletores odontológicos, está indicado para procedimentos operatórios e de diagnóstico.
Conclusões
As hipóteses nulas testadas foram rejeitadas e baseado nos resultados encontrados é possível afirmar que existe uma relação de dependência na densidade da potência de luz empregado na iluminação da cavidade bucal durante os procedimentos clínicos que se reflete no grau de conversão de compostos fotoativados. Deste contexto é possível ainda retirar as seguintes orientações:
1-O uso do refletor com tecnologia LED incide menor influência na polimerização precoce de resinas compostas; e
2-Os compósitos com menor valor (menor opacidade) sofrem maior influência da iluminação do campo operatório.
Agradecimentos
Ao Laboratório de Biofotônica do Grupo de Ótica do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo, pelo apoio no desenvolvimento da metodologia empregada no estudo.

AUTORES

Dr Marcelo Rodrigues Alves
Francisco Carlos Rehder Neto
Daniel Galafassi
Denis Pablo Jacomassi
Fernando Mandarino
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